sexta-feira, 26 de junho de 2009

Indicação para leitura!

Pedagogia da Indignação - cartas pedagógicas e outros escritos

Paulo Freire


Que Paulo Freire é mestre e inspirador é clichê ressaltar, porém não tem como não citar tais elementos após ter contato com sua obra Pedagogia da Indignação - cartas pedagógicas e outros escritos, uma obra que encanta, que emociona, que traduz a realidade com muita responsabilidade, com uma crítica saudável e com força de transformação. Esta obra foi publicada após sua morte, não foi finalizada pelo autor, mas não é por isso que perde seu valor, diria que ela atesta que o mesmo não precisa dizer ‘tudo’ para que tenha dito e ensinado ‘muito’.

Nesta obra estão compilados diferentes textos de Paulo Freire relacionados à notícia, à mídia e aos meios de comunicação. Ela traz críticas a acontecimentos que viraram “notícia” e causaram grande comoção, e até indignação nacional como é o caso do assassinato brutal do índio pataxó por jovens de classe média alta no Dia do Índio, em Brasília; a forma como as comemorações dos 500 Anos do “Descobrimento” das Américas por Cristóvão Colombo se deram; e o fato trágico da família pernambucana que teve a fatalidade de recolher no lixo hospitalar um seio feminino amputado, e o qual prepararam o almoço de domingo.

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Junto a tantos elementos, o autor analisa a situação da educação, com nenhuma neutralidade e muita historicidade, já que o nosso próprio modelo de educação está diretamente ligado a ideologias, estas mantidas e constantemente reproduzidas pelas elites dominantes para a manutenção da sociedade de classes e da supremacia do status quo. Paulo Freire acredita na transformação do mundo, não a considera uma tarefa fácil, mas sonha, acredita e, principalmente, pensa uma educação humanista na formação de indivíduos críticos, mais humanos, que entendam a necessidade de lutar, para que assim possam ser capazes de mudar o mundo.

Se pensarmos na nossa educação, na atualidade, enxergamos-a inserida em um contexto econômico neoliberal e assim, consequentemente, voltada para os interesses do mercado, onde aspectos como o individualismo, a concorrência e o mérito pessoal são universais. Ao enxergarmos assim nossa educação, poderíamos nos aquietar e acomodar diante desta realidade, nos alienarmos e acomodarmos num conformismo que Paulo Freire tanto condena, ele é contrário a qualquer atitude alienada e acrítica, como sentenças fatalistas do tipo “o sistema é assim mesmo”, “é assim que Deus quer”, “o mundo é desse jeito mesmo, ninguém pode mudá-lo”. É, pois através da nossa crítica a este determinismo que podemos fazer nossa parte. Se o mundo é regido por leis deterministas e imutáveis, ele anula qualquer forma de individualidade, ética, decisão, liberdade e responsabilidade. Assim todos nós temos a capacidade e também o dever de mudarmos o mundo, pois temos o nosso livre arbítrio.

Mesmo que possam parecer utópicas essas últimas afirmações, o próprio autor estabelece como verdade que a mutação é difícil, mas não impossível. Nós de fato temos uma série de limitações e que para Freire é positivo, pois somente os déspotas possuem ou buscam um poder holístico.

Devido à própria condição humana, Freire reconhece as limitações reais para a criação de um mundo mais humanizado, mas também considera que estes não são elementos a serem usados pelos indivíduos para que fiquem acomodados, agindo como meros espectadores do mundo e vítimas de consequências como o desemprego, o colonialismo, a espoliação, a dominação de classe, etc.

O autor cita o exemplo dos terremotos: eles existem de fato e é impossível acabar com eles. Mas o ser humano por meio de sua sapiência conseguiu tecnologias e meios para torná-los menos destrutivos. Do mesmo modo se deu a resistência afro-brasileira que com sua “manha” conseguiu que suas culturas não morressem diante da violência da dominação.

Para muitas pessoas, pensar em mudanças, sonhar, planejar algo utópico é ilusão, perda de tempo e, por isso, desnecessário. Para Paulo Freire o ser humano é instrumento de crítica, indignação e mudança, e é por isso, e a partir da curiosidade que lhe é intrínseca, que não se deve consolidar as tais sentenças fatalistas, agindo de forma contrária, protestando, discordando e, acima de tudo, tornando-se agentes de mudanças, para, assim, conquistar-se as mudanças que tanto se deseja, para se chegar a realização dessas utopias que tanto se almeja e se considera tão necessárias.

Na terceira carta apresentada no livro, apresenta-se elementos a partir de um evento acontecido em Brasília, um ato de brutalidade que culminou com a execução do Índio Galdino Jesus dos Santos, por jovens de classe média. Com esta carta, Paulo Freire apresenta elementos que nos permite refletir, principalmente, sobre a sobre a ética universal dos seres humanos e a valorização do diferente e, conforme nos apresenta Ana Maria Araújo Freire, a Nita, esposa de Paulo Freire e organizadora deste livro, em um artigo em que faz a apresentação do mesmo:

o objetivo de Paulo foi nos levar a pensarmos também na questão dos valores, no modelo político-econômico no qual os seus defensores, de modo geral, não se perturbam como são tratadas as pessoas desprivilegiadas, as gentes excluídas do mercado, consideradas apenas “Uma espécie de sombra inferior no mundo. Inferior e incômoda, incômoda e ofensiva”, como denunciou. (FREIRE)

Paulo Freire nesta carta, apresenta a educação como instrumento de transformação, como uma das responsáveis por ‘dar lugar as coisas’ e questiona que lugar esta educação está dando hoje ao pobre, ao índio, à mulher, ao mendigo, ao negro, ao camponês, ao operário, no pensar desses jovens. Será que a escola tem cumprido seu papel primordial de mostrar a igualdade e, principalmente, de promovê-la? De mostrar a importância de cada ser humano na sua completude, na sua diferença. Apresenta assim ao professor o desafio de assumir seu papel com excelência, atitude, firmeza e plenitude, sendo assim, agente de transformação, cumprindo seu papel.

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-la sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, in-viabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equipada e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos. (FREIRE)

Na segunda parte do livro, Ana Maria Araújo Freire, publica outros escritos de Paulo Freire, onde o autor escreve sobre acontecimentos que, por algum motivo, lhe inquietaram, e o um deles é a questão do Descobrimento da América e a sua comemoração de 500 anos.

Paulo Freire começa afirmando que “(...)o passado não se muda. Compreende-se, recusa-se, aceita-se, mas não se muda” , e analisa o fato apontando a “malvadeza intrínseca a qualquer forma de colonialismo, de invasão, de espoliação” . Paulo Freire crítica aqui a posição conformista daqueles que veem tal acontecimento como algo que passou, aconteceu a 500 anos e que esquece de toda exploração, de toda mudança, seja ela cultural ou histórica que a mesma provocou. Paulo Freire nos provoca a ter um olhar diferente sob tais acontecimentos, será que devemos comemorar ou parar para pensar tudo que estes causaram. Temos que buscar o que realmente importa nesses acontecimentos e o que eles nos trazem de aprendizado, realmente, edificador, aplicar um olhar crítico sob eles.

É este aprendizado que eu comemoro. Certamente o passado jamais passa no sentido que o senso comum entende por passar. A questão fundamental não está em que o passado passe ou não passe, mas na maneira crítica, desperta, com que entendamos a presença do passado em procedimentos do presente. Nesse sentido, o estudo do passado traz à memória de nosso corpo consciente a razão de ser de muitos dos procedimentos do presente e nos pode ajudar, a partir da compreensão do passado, a superar marcas suas. A compreender, no caso, por exemplo, do passado da conquista como, sem dúvida, ela se repete hoje, de forma diferente, às vezes. (FREIRE)

Outro escrito de Paulo Freire que está colocado junto nessa obra é o texto “Alfabetização e miséria”, que apresenta, além de aspectos já discutidos nesse texto, um conceito que pode ser resumido com uma frase própria do autor, onde ele traz que a tarefa fundamental do educador é experimentar com intensidade a dialética entre a “leitura do mundo” e a “leitura da palavra”. Ou seja, o professor não deve apenas se limitar a ensinar a palavra, no sentido mais estrito da palavra, mas também possibilitar ao aluno uma leitura do mundo, de um mundo com possibilidades, com uma realidade. Importante conceito apresentado por Freire, é a questão do professor apresentar o diferente, o novo ao aluno, mas não impor estes. É neste texto que Freire traz a questão da família que encontro um seio amputado no lixo hospitalar e o leva para casa e se alimenta do mesmo. Diante de tal realidade só nos resta lamentar e enxergar esta realidade como irreversível, ou então, será que não nos é possível mostrar a estas pessoas que elas podem agir de maneira a melhorar suas condições de vida, lutando pelos seus direitos.

Para resumir de forma bastante claro o que Freire apresenta nesse texto, uso novamente das palavras de Ana Maria Araújo Freire, em uma das apresentações da obra, quando diz que

Paulo insiste em que a realidade não é inexorável, de que de um domínio humano da determinação dificilmente se poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética. Que a história é possibilidade e não determinação. Nos faz entender que a ordem estabelecida injusta é indecente, que a “miséria é uma imoralidade” não, obviamente sob o ponto de vista moral, mas ético, estético, ontológico, antropológico e político. Afirma não por teimosia mas diante da natureza ontológica dos humanos que “mudar é difícil mas possível” e que há “legitimidade da raiva contra a docilidade fatalista diante da negação das gentes.” (FREIRE)

Em um novo texto, “ Dos desafios da Educação de Adultos ante a nova reestruturação tecnológica”, Paulo Freire explicita mais cuidadosamente a sua compreensão da politicidade da educação, da impossibilidade de diferenciar o ato de ler e de escrever e da unidade entre arte e educação. Freire enfatiza a necessidade de apreensão do objeto para a se aprender de verdade, entendendo que a memorização do conhecimento se constitui no ato mesmo de sua produção. Freire critica a negação das ideologias, o neoliberalismo como ‘uma fatalidade do fim do século”, os pragmatismos, o treinamento no lugar da formação genuinamente humana. Alerta para a compreensão crítica das tecnologias, que não devem ser repudiadas, mas que devem ser passadas pelo nosso crivo político e ético e, por fim, reenfatiza que

o exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra quê, o contra quem são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura dos desafios do nosso tempo.(FREIRE)

Paulo Freire, neste texto “Educação e a Televisão” nos remete à curiosidade humana e à leitura do mundo, anterior à leitura da palavra. Fala da curiosidade ingênua que leva ao “saber de pura experiência feito”, o senso comum e da curiosidade epistemológica que entende nascer da criticização da curiosidade ingênua pelo rigor metodológico do objeto em questão. Entre uma e outra há diferença de qualidade e não de essência, afirma. Conclui dizendo que os educadores progressistas não podem desconhecer a televisão. Que ela não é nem “um demônio que nos espreita para nos esmagar” nem “um instrumento que nos salva”. Devemos usá-la, sobretudo, discuti-la.

Enfim, nestas, e em outras obras apresentadas neste livro, Paulo Freire retrata sua indignação, que está fundada no seu amor. Sim, porque ama o mundo, a vida e as pessoas, respeita e procura caminhos para mudanças. Acima de tudo, procura esses caminhos e os aponta, para não caminhar sozinho. Ele acredita na pessoa humana como seres capazes de provocar mudanças, e a instiga a não ser mero objeto e sim sujeito transformador e criador da História.

Se me fosse possível responder à minha leitura, diria hoje a Freire, usando as palavras de Balduino A. Andreola, no prefácio desta obra, prefácio este que o Professor chama de Carta-prefácio, “Paulo, a leitura de tuas Cartas pedagógicas foi para mim como a imersão numa imensa onda cósmica de ânimo, de esperança e do sentimento de que vale a pena persistir na luta.” Ler esta obra permitiu-me dar-me conta de coisas que talvez os milhares de discursos ouvidos na minha vida, principalmente acadêmica, não me fizessem perceber. Credito isso a forma dinâmica, instigadora da escrita de Paulo Freire, assim como a explicita convicção e crença que o mesmo tem e expressa nos seus escritos. Na coerência de sua vida e sua obra.

Não haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta. Não haveria cultura nem história sem risco, assumido ou não, quer dizer, risco de que o sujeito que o corre se acha mais ou menos consciente. Posso não saber agora que riscos corro, mas sei que, como presença no mundo, corro risco. É que o risco é um ingrediente necessário à mobilidade sem a qual não há cultura nem história. Daí a importância de uma educação que, em lugar de procurar negar o risco, estimule mulheres e homens a assumi-lo. (FREIRE)

Acredito na mudança e sou consciente de meu papel, como futura educadora na construção da história, das mudanças, e para isso me disponho a correr riscos e a estimular aqueles que comigo querem seguir este caminho, para juntos nos tornamos sujeitos de transformação social, de desacomodar-se, de sonhar e, acima de tudo, lutar, ir em busca de tais mudanças.